O Brasil alcançará em 2023 novo recorde de produção de cereais, leguminosas e oleaginosas (grãos). Segundo a primeira estimativa do IBGE, a safra será de 288,1 milhões de toneladas, 25,3 milhões acima do também recorde de 2022. O País segue disputando a terceira colocação entre os maiores produtores de grãos com a Índia e deverá manter a segunda colocação entre os maiores exportadores, atrás dos Estados Unidos.
A safra de grãos, 91,6% de soja, milho e arroz, é a mais visível, mas está longe de espelhar a totalidade da agricultora brasileira. Somente de cana-de-açúcar, da qual o País é o maior produtor mundial, a Conab projeta a safra 2022/2023 em 572,9 milhões de toneladas.
No conceito mais amplo da pesquisa do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, em parceria com a Confederação da Nacional da Agricultura (CNA), que engloba agricultura, pecuária, agroindústria e outros negócios relacionados com o campo, o PIB do agronegócio brasileiro somou R$ 2,6 trilhões em 2021, quase 30% do PIB total calculado pelo IBGE (R$ 8,7 trilhões).
A expectativa da ONU é que o País siga aumentando essa produção para ter papel cada vez mais relevante na alimentação da população mundial, que acaba de chegar a 8 bilhões de pessoas e chegará perto de 10 bilhões em 2050.
TECNOLOGIA E INSUMOS
Mas é possível seguir crescendo sem desmatar, dentro de parâmetros de sustentabilidade que contribuam para reduzir as emissões de gases do efeito estufa, em alinhamento com as metas do Acordo de Paris, como reclamado na COP-27, que acaba de acontecer no Egito? Alguns especialistas de empresas e órgãos de pesquisas afirmam que sim e que a receita está no uso intensivo de tecnologias digitais e insumos biológicos.
“Há, sim, a possibilidade de aumentar a produtividade do Brasil com a manutenção da área atual agricultável. Hoje, a soja em ambiente perfeito pode chegar de 250 a 300 sacas por hectare, enquanto a média brasileira é de 55 sacas”, afirma Marcelo Zanchi, diretor de Pesquisa, Inovação e Desenvolvimento do Agrogalaxy, varejista de insumos e serviços focado no esforço de avanço tecnológico sustentável do campo brasileiro.
É claro que essa produtividade mais de cinco vezes acima da média da soja, cereal do qual o Brasil é o maior produtor do planeta, ainda não chegou ao nível comercial, mas Zanchi ressalta que já existem produtores conseguindo colher comercialmente 120 sacas por hectare em áreas específicas de suas propriedades e alcançando 70 sacas de média geral.
Zanchi está à frente de uma equipe voltada para levar aos produtores rurais os últimos avanços em sementes, defensivos e fertilizantes biológicos, associados ao que existe de mais atual em termos de tecnologias digitais aplicáveis ao campo. Ele explica que os produtores que estão conseguindo alcançar a vanguarda da produtividade utilizam o que ele chama de “empilhamento de tecnologias”, combinando equipamentos e insumos de última geração.
“Se você conseguir aumentar a produtividade em 30% a 40% em dez anos, será reduzida em 30% a 40% a necessidade de áreas”, ressalta. Além disso, o pesquisador lembra que existem no País cerca de 60 milhões de hectares de pastagens degradadas, de um total de 100 milhões, que podem ser otimizados, reduzindo a necessidade de espaço para a pecuária e ampliando a área para soja, milho, arroz, trigo e outros cultivares.
O especialista explica que, no caso do Agrogalaxy, esse esforço para levar mais produtividade com sustentabilidade ao campo é suportado por equipes concentradas em centros tecnológicos que a empresa vem espalhando estrategicamente pelo País.
Atualmente, são três em funcionamento: em Londrina (PR), Alfenas (MG) e Jataí (GO) e cinco em estruturação: em Querência e Campo Novo dos Parecis (MT) e em Cerejeiras (RO), além de um no Mato Grosso do Sul e outro na região entre Tocantins, Pará e Matopiba (área de intersecção entre os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).
EMBRAPA NA ORIGEM
Nascida em abril de 1973 como um desdobramento do antigo Centro Nacional de Ensino e Pesquisas Agronômicas, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) está desde então no centro dos avanços alcançados pela agropecuária brasileira.
A pesquisadora sênior da Embrapa Agricultora Digital, Sílvia Massruhá, explica que desde o início a empresa estatal focou no desenvolvimento de novos cultivares compatíveis com os climas e os solos brasileiros, trazendo protagonismo ao País.
“O agro brasileiro sempre teve que pensar não só do ponto de vista econômico, mas também ambiental e social. O que ocorre é que os eventos extremos acabaram evidenciando isso para a sociedade em geral”, analisa Massruhá.
Ela destaca que, já a partir dos anos 1990, começou a intensificação da agropecuária de precisão, combinando biotecnologia, nanotecnologia e irrigação de precisão, entre outras técnicas. “Hoje, já falamos de uma nova onda, combinando o agro baseado em insumos biológicos, reduzindo a dependência da química do petróleo, e tecnologia da informação, baseada primeiro na internet comercial dos anos 1990, na internet móvel do início deste século e, mais recentemente, na Internet das Coisas”, lista ela.
Segundo a pesquisadora, “é a interação desses mundos que está sendo trabalhada para que se possa continuar aumentando a produção e a produtividade de maneira sustentável”. Massruhá ressalta que esse esforço ocorre em um ambiente extremamente diverso em termos de clima, solos e possibilidades regionais de produção que vão “do açaí ao zebu”.
Nessa riqueza de possibilidades, conforme ressalta a técnica da Embrapa, está um dos caminhos mais importantes para o desenvolvimento da agropecuária sustentável que vem sendo trilhado desde o início dos anos 1990, a Integração Lavoura-Pecuária (ILP) e, mais modernamente, a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF).
Massruhá explica que essa integração beneficia todas as partes. A combinação de lavouras, soja e milho, por exemplo, recupera os solos e pode ser combinada com o plantio de braquiária para o gado, que ganha conforto com a sombra das árvores do reflorestamento. Segundo ela, existem atualmente cerca de 18 milhões de hectares das mais diversas combinações, e a meta é alcançar 30 milhões somente de ILPF até 2030.
FAÇA VOCÊ MESMO
A CropCare, braço da gigante da distribuição de insumos Lavoro Agro, controlada pelo fundo de investimentos Pátria, nasceu nesse ambiente de busca de produtividade com sustentabilidade e está focada na produção e distribuição de insumos biológicos para o agronegócio.
Marcelo Pessanha, CEO da empresa, explica que seu foco está em contribuir com inovação para o aperfeiçoamento daqueles agricultores que estão enxergando além do simples “extrativismo do solo”. “Eles não estão pensando na safra do ano, mas no seu sistema produtivo ao longo dos próximos anos”, define.
O modelo de produção de insumos customizado, batizado pela empresa de “Onfarm”, é uma das apostas recentes da CropCare. Pessanha explica que nesse modelo, voltado a produtores mais profissionalizados e bem estruturados, os insumos são produzidos dentro da própria fazenda, como alternativa à também possível fórmula de um produto preparado fora, que chega pronto no galão.
“O modelo permite que o agricultor prepare o fertilizante segundo as características do solo que pretende enriquecer, resultando em maior aproveitamento, o que compensa o investimento”. Como se trata de tecnologia recente, o executivo explica que ela começou a ser adotada em grandes propriedades, aquelas com gestão mais profissionalizada.
“Mas é um modelo totalmente aplicável a agricultores de portes menores”, ressalta. Segundo ele, o modelo já alcançou, por exemplo, estados como Rio Grande do Sul e Paraná, cujo modelo agrícola está focado, principalmente, em módulos de 300 a 500 hectares e que têm forte tradição de cooperativismo, o que permite compartilhar custos e facilitar a viabilização econômica do modelo.
A CropCare investirá nos próximos três anos R$ 100 milhões na implantação de uma fábrica nova na cidade paulista de Itápolis, que, somada às instalações já existentes em outros locais, deverá ter capacidade de atender até 50% do agro brasileiro, segundo Pessanha. A fábrica será o centro de um hub tecnológico que contará com uma universidade para capacitar pessoal no segmento de bioinsumos.
STARTUPS, 5G E SEGURO
O engenheiro agrônomo e pesquisador Sérgio Barbosa trabalha em um dos hubs de conhecimento mais tradicionais do setor agro brasileiro, a Escola Superior de Agricultora Luiz de Queiroz (Esalq), da USP, localizada em Piracicaba (SP), um dos centros de excelência no setor, assim como Londrina, no Paraná. Segundo ele, “o produtor rural brasileiro sempre esteve interessado em novas tecnologias que melhorem sua produtividade e mitiguem o impacto ambiental. É uma característica do seu DNA.”
É nesse terreno fértil que Barbosa vê a chegada cada vez mais densa das tecnologias novas, seja a da vertente digital, que traz informações rápidas e eficientes tanto para o trabalho direto na lavoura como para a tomada de decisões, seja a vertente dos bioinsumos, com o uso de fertilizantes orgânicos, de fungos e parasitas benéficos para o controle de pragas.
Na sua avaliação, a guerra entre Rússia e Ucrânia, apesar dos sofrimentos e transtornos trazidos, acabou sendo uma “janela de oportunidades” para que o Brasil pudesse avançar na substituição de fertilizantes químicos por biológicos, embora ainda seja cedo para avaliar o tamanho desse avanço
No campo dos biodefensivos, Barbosa, que também é gerente-executivo da Esalqtec, afirma que “o Brasil tem hoje a maior área de controle biológico do mundo, graças ao uso de microvespas para o controle da broca da cana-de-açúcar”. Assim como Sílvia Massruhá, da Embrapa, ele destacou a importância do manejo integrado dos solos como outro elemento importante desse pacote biotecnológico.
E para o futuro? Barbosa vê a chegada da frequência 5G de telecomunicação como o grande indutor de um novo salto, permitindo uma disseminação maior da internet no campo brasileiro, algo que ainda deixa a desejar.
Embora ressaltando que nem todo pequeno agricultor é desassistido tecnologicamente, citando como exemplo inverso o Polo de Floricultura de Holambra (SP), Barbosa admite que as Agritechs, principais responsáveis pela expansão tecnológica no campo, focam principalmente os grandes, não por desinteresse, “O produtor rural brasileiro sempre esteve interessado em novas tecnologias que melhorem sua produtividade e mitiguem o impacto ambiental. É uma característica do seu DNA.” Sérgio Barbosa, Esalq/USP mas por ser mais fácil vender para uma propriedade de 10 mil hectares do que para mil de dez hectares.
O engenheiro da Esalq aponta outra evolução tecnológica do agronegócio brasileiro que faz conexão direta com a indústria de seguros. Segundo ele, o surgimento das Agrofintechs, especializadas em gestão de risco, está levando ao campo bases de dados principalmente sobre microclimas na mesma propriedade, que vão permitir o barateamento do seguro rural.
Barbosa explica que aquele agricultor que souber, por exemplo, em qual área da sua propriedade deve chover mais ou menos e o risco de chuvas de granizo ou de pequenos tornados, terá condições de fazer um seguro mais barato do que o vizinho, assim como o morador de locais com baixa incidência de furto de carros tem acesso a um seguro veicular mais em conta.
Confira esta e outras matérias na edição 923 da Revista de Seguros